O programa “Sexta às 9”, transmitido pela RTP 1, investigou uma das fortes apostas do governo de José Sócrates – a rede de carregamento para veículos eléctricos Mobi.E.
“15 milhões ao abandono”. Foi assim que o “Sexta à 9” definiu o investimento do ex-governo feito há três anos.
A reportagem diz-nos que existem cerca de “1.100 carregadores públicos para pouco mais de 300 veículos deste tipo”. Mas será bem assim?
Vamos a outros números. Foram instalados 1163 pontos de carregamento em 427 locais. De acordo com o “Sexta à 9”, existem 347 veículos eléctricos. Veículos? Não. Automóveis! E as motas, scooter´s, bicicletas e quadriciclos eléctricos? Não contam?
Os números de motas eléctricas que circulam em Portugal são desconhecidos, mas sabemos que só no ano passado foram vendidas quase 80 motas eléctricas!
No entanto, a avaliar pelas concentrações/eventos relacionados com a mobilidade eléctrica, deverão existir umas boas centenas de motas eléctricas em Portugal. Até porque, actualmente, uma scooter/ mota eléctrica pode ser bem mais interessante que um carro eléctrico.
Mas é verdade que a aposta do governo de Sócrates estava centrada nos automóveis eléctricos e, para 2020, o governo estimava que 1 em cada 5 carros fosse eléctrico. Um sonho difícil de se concretizar… Aliás, neste momento, para cada carro eléctrico existem 3 pontos de carregamento.
Mas voltemos aos postos de carregamento. Segundo a reportagem, dos 1163 pontos de carregamento (em 427 localizações), 352 estão avariados ou não comunicam com o sistema.
Já 285 postos, em 49 localizações, nunca foram utilizados ou não comunicaram consumos. Ou seja, 1 em cada 4 postos teve consumo zero desde que foi instalado. Só em Lisboa, existem 86 pontos onde nenhum carro eléctrico foi carregado.
No total, foram consumidos 63mW de energia. O “Sexta às 9” sabe que um carro eléctrico, que circule 17 mil quilómetros por ano, consome 3mW de energia. Quer isto dizer que a rede apenas produziu energia suficiente para 22 carros eléctricos durante um ano. Foram efectuados 15.760 carregamentos, ou seja, em média, cada posto carregou 13 carros eléctricos.
O “Sexta às 9” refere ainda que houve dois concelhos que nunca receberam carregamentos: Portalegre e Bragança, onde existem 3 postos com várias tomadas.
André Dias, director da unidade de Sistemas Inteligentes do CEIA, revela que “a rede está claramente sobredimensionada”, isto se ”olharmos para os números que temos de utilização e de procura”
“Todos os fabricantes de automóveis tinham projectos para veículos eléctricos. Tudo levava a querer que o veículo eléctrico se iria impor (aos veículos de combustão)”, indica José Mendes, Vice-Reitor da Universidade do Minho. Sobre a rede Mobi.E, o mesmo responsável “acha um projecto bem desenhado e que nos poderia ter posicionado”.
António Vidigal, da Sociedade Gestora da Rede de Mobilidade Eléctrica, revela que “antes de haver carros eléctricos, tem que aparecer uma rede de abastecimento”.
Ainda relativamente à dimensão da rede, Pedro Silva, director de Electrónica de Potência da EFACEC, diz que se pode ter “andado um pouco depressa demais”, mas ”se aconteceu aqui, aconteceu em outros países do mundo”.
Mas o que desconhecíamos é que existem 49 postos de carga rápida ainda embrulhados no armazém do fabricante desde que foram construídos. E que tanta falta fazem estes postos nas auto-estradas e cidades…
Dos 50 postos de carga rápida prometidos pelos anterior governo, apenas um se encontra instalado. Está no centro de Vila Nova de Gaia.
Os 49 postos de carga rápida estão a aguardar “definição de onde irão ser instalados”, refere Pedro Silva. O mesmo responsável acredita que “a carga rápida é decisiva para incrementar a mobilidade eléctrica”. A RTP ainda contactou o actual governo, mas não obteve resposta sobre o que será feito a estes postos de carga rápida.
A informação de que existem 49 postos de carregamento rápido surpreendeu mesmo a Sociedade Gestora da Rede de Mobilidade Eléctrica. Para António Vidigal, os postos deveriam estar colocados, mas como “existem cerca de 300 carros eléctricos não me parece que haja problema de fundo”. Alem disso, “a maioria dos veículos eléctricos que existem são de pessoas que têm garagens e que fazem os carregamentos em casa”.
Manuel Reis, proprietário de um Nissan Leaf, refere que carregar um carro eléctrico é muito simples, “é como um telemóvel”. 95% das cargas que Manuel Reis faz é em casa, mesmo que a rede pública ainda seja gratuita.
Mas este proprietário de um carro eléctrico, que vive na Trofa, sente falta dos postos de carga rápida. “São muito úteis para as viagens entre concelhos ou Porto-Lisboa e Lisboa-Algarve. Sem estes postos não é possível realizá-las e os carros ficam limitados ao meio citadino”, revela.
Para carregar num posto público, o processo também é “muito simples”, segundo Manuel Reis. “Basta passar o cartão, introduzir o pin, dizer que quero carregar o veículo e já posso ligar o veículo”.
”Eu penso que o anterior governo incentivou mais a mobilidade eléctrica e este governo, um pouco a reboque da Troika e do memorando de entendimento, deixou a rede ficar no esquecimento, cancelou o incentivo de 5.000 euros e não tem feito a rede desenvolver-se a nível de postos de carga rápida”, argumenta Manuel Reis.
Hélder Pedro, Secretário-geral da ACAP, refere que “em 2012 houve um retrocesso com a retirada dos incentivos aos veículos eléctricos e que, nesse aspecto, esperemos que haja um definição daquilo que se pretende ou se não se pretende nada na área da mobilidade eléctrica”.
Por enquanto, o governo criou um grupo de trabalho para analisar o sector e, para já, vai estudar a relocalização dos postos de abastecimento.
A Associação Portuguesa do Veículo Eléctrico (APVE) acredita que o país deve focar-se noutras dimensões fundamentais para o projecto. Para Jorge Vasconcelos, Presidente da APVE, “o interesse que os construtores e os fornecedores podem ter é maior ou menor por apostarem em Portugal e por utilizar Portugal como uma base de ensaio para testar modelos de negócios e isso não depende da vontade deste ou de outro governo”.
Entretanto, a EFACEC, empresa que fabricou os postos Mobi.E, já vendeu postos de carga rápidas pelo menos para 20 países, entre eles Irlanda, Dinamarca e Alemanha.
A EFACEC recebeu financiamento público para construir os postos Mobi.E, mas garante que investiu mais do dobro por conta própria. Segundo Pedro Silva, esta experiência “permitiu encarar o mercado internacional”,
A INTELI também está a apostar na mobilidade eléctrica. “Temos os projectos a emergir nas mais diversas geografias, com particular incidência no Brasil”, revela André Dias, director da unidade de Sistemas Inteligentes do CEIA.
De acordo com António Vidigal, “o carro eléctrico é um caminho para sairmos da crise, porque só saímos da crise com os actuais bens transaccionáveis”, acrescentando que “em tecnologia há poucas coisas em que tenhamos tecnologias distintivas. Aqui, em poucos anos, já conseguimos ter alguma coisa distintiva”.
Importa salientar que, durante a reportagem, foram mostrados alguns exemplos de falta de civismo por parte dos proprietários de carros de combustão que estacionam os seus veículos nos lugares para automóveis eléctricos.
Retirado de http://e-move.tv/opiniao/%E2%80%9C15-mi ... 80%93-sera